quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Fugindo da ociosidade

A ideia de deixar o blog entregue às moscas me deixa inquieta. Se os planos tivessem sido cumpridos eu já estaria contando como é começar um curso de espanhol, ou como está frio em Bogotá,. Como continuo na Ilha, e não quero abandonar meu tão querido espaço, resolvi compartilhar algo que estou lendo, ou ouvindo, a cada dia.

Hoje vai ser um texto. Uma crônica da escritora Martha Medeiros. Colunistas de jornais e revistas ela lança livros que são coletâneas de textos publicados ao longo dos anos nesses veículos. É a autora do grande sucesso, que virou peça e depois filme, Divã.

Estou lendo agora Doidas e Santas, e a cada crônica paro para rabiscar uma frase, marcar uma expressão ou balançar a cabeça concordando com uma ideia. Ela é foda (no melhor sentido da palavra, usado aqui como adverbio de intensidade). O texto que escolhi para reproduzir foi publicado em 19 de março de 2006:

UMA VIDA INTERESSANTE

E, se eu lhe disser que estou com medo de ser feliz pra sempre?" pergunta ao seu analista a personagem Mercedes, da peça Divã, que estréia hoje em Porto Alegre. É uma pergunta que vem ao encontro do que se debateu dias atrás num programa de tevê. O psicanalista Contardo Calligaris comentou que ser feliz não é tão importante, que mais vale uma vida interessante. Como algumas pessoas demonstraram certo desconforto com essa citação, acho que vale um mergulhinho no assunto.

"Ser feliz", no contexto em que foi exposto, significa o cumprimento das metas tradicionais: ter um bom emprego, ganhar algum dinheiro, ser casado e ter filhos.
Isso traz felicidade? Claro que traz. Saber que "chegamos lá" sempre é uma fonte de tranqüilidade e segurança. Conseguimos nos enquadrar, como era o esperado. A vida tal qual manda o figurino. Um delicioso feijão-com-arroz.

E o que se faz com nossas outras ambições? Não por acaso a biografia de Danuza Leão estourou. Ali estava a história de uma mulher que não correu atrás de uma vida feliz, mas de uma vida intensa, com todos os preços a pagar por ela. A maioria das pessoas lê esse tipo de relato como se fosse ficção. Era uma vez uma mulher charmosa que foi modelo internacional, casou com jornalistas respeitados, era amiga de intelectuais, vivia na noite carioca e, por tudo isso, deu a sorte de viver uma vida interessante. Deu sorte? Alguma, mas nada teria acontecido se ela não tivesse tido peito. E ela sempre teve. Ao menos, metaforicamente.
Pessoas com vidas interessantes não têm fricote. Elas trocam de cidade. Investem em projetos sem garantia. Interessam-se por gente que é o oposto delas. Pedem demissão sem ter outro emprego em vista. Aceitam um convite para fazer o que nunca fizeram. Estão dispostas a mudar de cor preferida, de prato predileto. Começam do zero inúmeras vezes. Não se assustam com a passagem do tempo. Sobem no palco, tosam o cabelo, fazem loucuras por amor, compram passagens só de ida. Para os rotuladores de plantão, um bando de inconseqüentes. Ou artistas, o que dá no mesmo.

Ter uma vida interessante não é prerrogativa de uma classe. É acessível a médicos, donas de casa, operadores de telemarketing, professoras, fiscais da Receita, ascensoristas. Gente que assimilou bem as regras do jogo (trabalhar, casar, ter filhos, morrer e ir pró céu), mas que, a exemplo de Groucho Marx, desconfia dos clubes que lhe aceitam como sócia. Qual é a relevância do que nos é perguntado numa ficha de inscrição, num cadastro para avaliar quem somos? Nome, endereço, estado civil, RG, CPF. Aprovado.
Bem-vindo ao mundo feliz.
Uma vida interessante é menos burocrática, mas exige muito mais.

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Nada mais a ser dito...

2 comentários:

Belisa disse...

que coisa boa poder aproveitar mais um pouco ao lado da familia e amigos. quando agente está longe, não te-los por perto realmente entristece.

adorei o texto! e fiquei pensando se sou uma pessoa interessante... confesso que mudanças me assustam mas, que adianta fazer tudo igual e esperar que algo diferente aconteça, ne? ;)

falando nisso, tenho um amigo argentino indo viver na colombia, vou passar o teu blog pra ele!

beijao

Anônimo disse...

Olá amiga,
Os textos de Martha Medeiros eu aprecio demais, essa mulher é sábida demais e sabe definir claramente as coisas.Tenho pautado a minha vida nessa maneira,vivendo intensamente e fazendo que se torne interessante.Me identifiquei demais...Afinal tou vivendo esses momentos.Bjs e volta logo.